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A função social, a função humanizadora e a função terapêutica da Literatura Infantil

Quando afirmo que "entendo como Literatura Infantil aquele livro que, opondo-se aos didáticos e paradidáticos, não querem dizer nada, embora digam muito, mas de muitas formas e sempre, dependendo de quem o lê, quando lê e para quê lê", não significa que ignoro o que faz a Literatura Infantil nascer como tal.



Por isso, neste artigo, quero falar sobre as 3 principais funções da Literatura Infantil: humanizadora, social e terapêutica.


Compreendo que escrever sobre as funções da literatura é uma tarefa complexa e exigiria de mim bem mais do que posso realizar em um artigo de blog.


Contudo, também entendo ser relevante ao menos trazer luz para essas três funções, que podem ser suas aliadas no dia a dia, seja como pai, mãe, professor ou professora.


É importante saber, com Antonio Cândido, que “a função da literatura está ligada à complexidade da sua natureza, que explica inclusive o papel contraditório, mas humanizador (talvez humanizador porque contraditório).” (CANDIDO, 2004, p. 176).


Entendo aqui por humanização (...) o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensíveis e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 2004, p. 179/180).

Com Candido (2004) e Brenman (2005), compreendo que há, no homem, uma necessidade vital de ordenar o mundo. Porém, essa ordenação se faz necessária tanto externa quanto internamente.


À medida que “o caos originário, isto é, o material bruto a partir do qual o produtor escolheu uma forma, se torna ordem” (CANDIDO, 2004, p. 178), o caos interior também.


“Toda obra literária pressupõe esta superação do caos, determinada por um arranjo especial das palavras e fazendo uma proposta de sentido.” (CANDIDO, 2004, p. 178).


Além dessa possibilidade de ordenamento do caos interno, entre outras, a literatura satisfaz também nossa necessidade de conhecer e reconhecer “os sentimentos e a sociedade, ajudando-nos a tomar posição em face deles.” (CANDIDO, 2004, p. 180).


A literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar vinte quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. (CANDIDO, 2004, p. 174).

Ao me deparar com tal afirmação, não posso deixar de considerar o caráter essencial da literatura na formação do ser humano, seja ela em sua formação inicial na infância, durante a vida escolar e até mesmo na sua formação profissional.


Dessa forma, o texto literário, ao assumir uma condição de necessidade universal do ser humano, “confirma o homem na sua humanidade” (CANDIDO, 2004, p. 175).


Encontrei, em Ana Maria Machado, a afirmação de que “todo cidadão tem o direito de ter acesso à literatura e de descobrir como partilhar de uma herança humana comum.” (MACHADO, 2001, p. 123), “porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão de mundo, ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza.” (CANDIDO, 2004, p. 186).


Mas a literatura, enquanto arte, não se encerra em sua função humanizadora, muito pelo contrário. Essa função se atrela à função social do texto literário.


“Uma obra literária é um objeto social muito específico. Para que ela exista, é preciso, em primeiro lugar, que alguém a escreva e que outro alguém a leia.” (LAJOLO, 2001, p. 17).


Mais precisamente na Literatura Infantil, essa função remonta à época de seu surgimento, onde estava impregnada do desejo de transmitir através das narrativas os “modelos de comportamento que facilitavam a integração da criança na sociedade” (CALDIN, 2008b, p. 47).


A função social da literatura é facilitar ao homem compreender – e, assim emancipar-se – dos dogmas que a sociedade lhe impõe. Isso é possível pela reflexão crítica e pelo questionamento proporcionados pela leitura. Se a sociedade buscar a formação de um novo homem, terá de se concentrar na infância para atingir esse objetivo. (CALDIN, 2008b, p. 51).

Diante dessas considerações, saliento o importante papel da obra literária no desenvolvimento do ser humano, principalmente quando ainda na fase da infância.


Evoco as palavras de Ana Maria Machado e Antônio Candido ao afirmarem que o acesso à literatura é direito de todos. Direito básico:


“Uma democracia não é digna desse nome se não conseguir proporcionar a todos o acesso à literatura.” (MACHADO, 2001, p. 123).


Ora, se ninguém pode passar 24 horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura (...) parece corresponder a uma necessidade universal que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito.” (CANDIDO, 2004, p. 175).

No que tange à função terapêutica do livro, utilizo, até o momento, somente uma fonte de pesquisa, onde estão inseridas e citadas várias outras fontes de estudo e teorização.


Encontrei em Caldin (2008) uma série de citações de importantes teóricos sobre a função terapêutica do livro.


Segundo a autora, “a função terapêutica da leitura admite a possibilidade de a literatura proporcionar a pacificação das emoções.” (CALDIN, 2008, p. 32).


É por essa razão que trago as considerações de Alice Bryan, L.H. Tweffort, Kenth Appel, Louis Gottschalk e Louise Rosenblatt, pelas palavras de Caroline Shrodes, que “desde 1943 já desenvolvia estudos sobre a aplicação da literatura com fins terapêuticos.” (CALDIN, 2008, p. 34).


Há alguns autores, como você verá a seguir, que vêm estudando a Biblioterapia e atribuem a ela diversas definições, porém, trago aqui nesse artigo a de Mattews; Lonsdale (1992) que, segundo Caldin (2008a), basearam seus estudos em Caroline Shrodes, que continua sendo referência básica nas pesquisas sobre a função terapêutica dos livros:


(...) constitui-se em uma terapia de leitura imaginativa, que compreende a identificação com uma personagem, a projeção (o leitor discerne a ligação da personagem com o seu caso), a introspecção (o leitor entende e educa suas emoções), e a catarse (a resposta emocional). (CALDIN, 2008a, p. 35).

Abaixo, elaborei uma tabela com algumas das principais fontes utilizadas por Caroline Shrodes (apud, CALDIN, 2008), e pela própria Caldin (2008) para um melhor entendimento de quais podem ser os objetivos da utilização da leitura de literatura com fins terapêuticos:


BRYAN, Alice.

  • Permitir ao leitor verificar que há mais de uma solução para seu problema.

  • Ajudar o leitor a pensar na experiência vicária em termos humanos e não materiais.

  • Proporcionar informações necessárias para a solução dos problemas.

  • Encorajar o leitor a encarar sua situação de forma realista, conduzindo-o à ação.

TWEFFORT, L. H.

  • Induzir à introspecção para o crescimento emocional.

  • Despertar melhor entendimento das emoções.

  • Verbalizar e exteriorizar os problemas.

  • Ver objetivamente os problemas, afastar a sensação de isolamento.

  • Verificar falhas alheias semelhantes às suas.

  • Aferir valores.

  • Realizar movimentos criativos.

  • Estimular novos interesses.

APPEL, Kenneth.

  • Adquirir informação sobre a psicologia e a fisiologia do comportamento humano.

  • Capacitar o indivíduo a se conhecer melhor.

  • Criar interesse em algo exterior ao indivíduo.

  • Proporcionar a familiarização com a realidade externa.

  • Provocar a liberação dos processos inconscientes.

  • Oferecer a oportunidade de identificação e compensação.

  • Clarificar as dificuldades individuais.

  • Realizar as experiências do outro para obter a cura.

  • Auxiliar o indivíduo a viver mais efetivamente.

GOTTSCHALK, Louis.

  • Auxiliar o paciente a entender melhor suas reações psicológicas e físicas de frustração e conflito.

  • Ajudar o paciente a conversar sobre seus problemas.

  • Favorecer a diminuição do conflito pelo aumento da autoestima ao perceber que seu problema já foi vivido por outros.

  • Prestar auxílio ao paciente na análise do seu comportamento.

  • Proporcionar experiência ao leitor sem que o mesmo passe pelos perigos reais.

  • Reforçar padrões culturais e sociais estáveis.

  • Estimular a imaginação.

ROSENBLATT, Louise.

Cura:

  • Aumentar a sensibilidade social.

  • Ajudar o indivíduo a se libertar dos medos e das obsessões de culpa.

  • Proporcionar a sublimação da catarse.

  • Levar o ser humano a um entendimento de suas reações emocionais.

Prevenção:

  • Prevenir o crescimento de tendências neuróticas.

  • Conduzir a uma melhor administração dos conflitos.

Orsini (1982)

  • Auxiliar o autoconhecimento pela reflexão.

  • Reforçar padrões sociais desejáveis.

  • Proporcionar desenvolvimento emocional pelas experiências vicárias.

  • Auxiliar na mudança de comportamento.

Mathews; Lonsdale (1992)

  • Biblioterapia de crescimento: divertir e educar.

  • Biblioterapia factual: informar e preparar o paciente para o tratamento hospitalar.

  • Biblioterapia imaginativa: explorar os sentimentos e tratar os problemas emocionais.

Caldin (2001)

  • Biblioterapia para a infância: proporcionar uma forma de as crianças se comunicarem, de perderem a timidez, de exporem seus problemas emocionais e quiçá físicos.

Com esses autores e suas considerações acerca dos objetivos da Biblioterapia, percebo que muito embora os livros possam ser utilizados como uma ferramenta terapêutica pelos agentes de saúde competentes para tal, o livro também pode ser utilizado como um auxiliar na educação.


Não se trata, porém, de o educador utilizá-lo como se terapeuta ou médico fosse, mas de criar um ambiente terapêutico por meio dos livros.


Essa utilidade na educação é confirmada pela tese de Doutorado da Psicóloga Doutora Lucélia Elizabeth Paiva, A arte de falar da morte: a literatura infantil como recurso para ser abordado com crianças e educadores.


Em seu site, ao discorrer sobre a Biblioterapia, ela afirma poder “ser aplicada no contexto escolar, no processo de hospitalização e de sociabilização.” (PAIVA, 2008, p. 1).


Por fim, não posso deixar de mencionar os componentes biblioterapêuticos enumerados por Caldin (2008a): a catarse, o humor, a identificação, a introjeção, a projeção e a introspecção.


Diante das funções do texto literário, da sabida importância da leitura de literatura na escola para a formação de leitores, fico inquieta com uma pergunta: para formar leitores, os professores e os pais têm de ser leitores? Qual a sua opinião?


Um abraço,


Vivi


Importante: Para conferir toda a referência bibliográfica dos meus textos técnicos, acesse aqui.


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